Angenor de Oliveira o mestre Cartola
“Quem gosta de homenagem póstuma é estátua. Eu quero continuar vivo e brigando pela nossa música. Sinceramente, eu não acreditava que ainda viveria esse tempo de grande justiça que o povo brasileiro, apesar dos pesares – faz à música brasileira”
(Cartola em entrevista à Revista Manchete em 03 de dezembro de 1977).
Ao longo de seus 72 anos de vida, Cartola compôs, sozinho ou em parcerias, cerca de quinhentas canções.
Seus principais parceiros: Elton Medeiros, Carlos Cachaça, Noel Rosa e Dalmo Castello. Até hoje essas músicas são regravadas por vários intérpretes, tamanha é a grandeza de seus versos e melodias. “O Sol Nascerá” (uma composição do início dos anos 60), por exemplo, já teve mais de seiscentas regravações até o momento.
Considerado por músicos como Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola e muitos outros como maior sambista de todos os tempos, Angenor de Oliveira, o Mestre Cartola, morreu praticamente sem posses, de cancer em 30 de novembro de 1980.
De uma geniosidade e talento incrível para compor, foi pintor, trabalhou em várias tipografias, serviu cafezinho em repartição pública, e trabalhando como pedreiro é que veio o apelido pois usava sempre um chapéu para impedir que o cimento lhe sujasse a cabeça, o qual chamava de cartola.
Nasceu no bairro do Catete, cidade do Rio de Janeiro. Quando completou oito anos sua família se mudou para Laranjeiras e aos 11 passaram a viver no morro da Mangueira.
Desde menino participou das festas de rua, tocando cavaquinho – que aprendera com o pai – no rancho Arrepiados (de Laranjeiras) e nos desfiles do Dia de Reis, em que suas irmãs saíam em grupos de “pastorinhas”.
Conseguiu terminar o curso primário, mas aos 15 anos, depois da morte da mãe, abandonou a família e a escola, iniciando sua vida de boêmio.
Em 1925, com seu amigo Carlos Cachaça, que seria seu mais constante parceiro, foi um dos fundadores do Bloco dos Arengueiros. Da ampliação e fusão desse bloco com outros existentes no morro, surgiu, em 1928, a segunda escola de samba carioca. Fundada a 28 de abril de 1928, o G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira teve seu nome e as cores verde e rosa escolhidos por ele.
Foram também fundadores, entre outros, Saturnino Gonçalves, Marcelino José Claudino, Francisco Ribeiro e Pedro Caymmi.
Para o primeiro desfile foi escolhido o samba Chega de Demanda, o primeiro que fez, composto em 1928.
Em 1931, Cartola tornou-se conhecido fora da Mangueira, quando Mário Reis, que subira o morro para comprar uma música, comprou dele os direitos de gravação do samba Que infeliz sorte, que acabou sendo lançado por Francisco Alves, pois não se adaptava à voz de Mário Reis. Vendeu outros sambas a Francisco Alves, cedendo apenas os direitos sobre a vendagem de discos e conservando a autoria: assim foi com Não faz, amor (com Noel Rosa), Qual foi o mal que eu te fiz? e Divina Dama, todos gravados pela Odeon, os dois primeiros em 1932 e o último em janeiro de 1933. Ainda em 1932, o samba Tenho um novo amor foi gravado por Carmen Miranda. Do mesmo ano é a gravação do samba Na floresta, em parceria com Sílvio Caldas, lançado por este último, e a primeira composição em parceria com Carlos Cachaça, o samba Pudesse meu ideal, com o qual a Mangueira foi campeã do desfile promovido pelo jornal “O Mundo Esportivo”.
Em 1936, a Mangueira teve premiado no desfile seu samba Não quero mais (com Carlos Cachaça e Zé da Zilda), gravado por Araci de Almeida, na Victor, em 1937, e em 1973 por Paulinho da Viola, na Odeon, com o título mudado para Não quero mais amar a ninguém. Em 1940, participou, ao lado de Donga, Pixinguinha, João da Baiana e outros, de gravações de música popular brasileira para o maestro Leopoldo Stokowski (1882 – 1976), que visitava o Brasil. Realizadas a bordo do navio Uruguai, ancorado no pier da Praça Mauá, essas gravações deram origem a dois álbuns de quatro discos de 78 rpm, lançados nos EUA pela gravadora Columbia. No rádio, atuou como cantor, apresentando músicas suas e de outros compositores. Na Rádio Cruzeiro do Sul, ainda em 1940, criou, com Paulo da Portela, o programa A Voz do Morro, no qual apresentavam sambas inéditos, cujos títulos deviam ser dados pelos ouvintes, sendo premiado o nome escolhido.
Em 1941, formou com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres o Conjunto Carioca, que durante um mês realizou apresentações em São Paulo, em um programa da Rádio Cosmos. A partir dessa época, o sambista desapareceu do ambiente musical. Muitos pensavam até que tivesse morrido. Chegou-se a compor sambas em sua homenagem. Em 1948, a Mangueira sagrou-se campeã com seu samba-enredo Vale do São Francisco (com Carlos Cachaça).
Cartola só foi redescoberto em 1956, quando o cronista Sérgio Porto o encontrou lavando carros em uma garagem de Ipanema e trabalhando à noite como vigia de edifícios. Sérgio levou-o para cantar na Rádio Mayrinck Veiga e, logo depois, Jota Efegê arranjou-lhe um emprego no jornal “Diário Carioca”.
A partir de 1961, já vivendo com Eusébia Silva do Nascimento, a Zica, com quem se casou mais tarde, sua casa tornou-se ponto de encontro de sambistas.
Em 1964, participou como ator no filme “Ganga Zumba” dirigido por Cacá Diegues e no elenco além de Cartola, Antonio Pitanga, Luiza Maranhão e Jorge Coutinho. Neste mesmo ano, resolveu abrir um restaurante, o Zicartola, na Rua da Carioca, que oferecia, além da boa cozinha administrada por Zica, a presença constante de alguns dos melhores representantes do samba de morro. Freqüentado também por jovens compositores da geração pós bossa-nova (alertados para a sua existência desde o show “Opinião”, no qual Nara Leão incluíra o samba O sol nascerá, de Cartola e Elton Medeiros, que mais tarde gravaria), o Zicartola tornou-se moda na época. Durou pouco essa confraternização morro-cidade: o restaurante fechou as portas, reabrindo em 1974 no bairro paulistano de Vila Formosa.
Contínuo do Ministério da Indústria e Comércio, vivendo na casa verde e rosa que construiu no morro da Mangueira, em terreno doado pelo então Estado da Guanabara, somente em 1974, alguns meses antes de completar 66 anos, o compositor gravou seu primeiro LP, Cartola, na etiqueta Marcus Pereira. O disco recebeu vários prêmios. Logo depois, em 1976, veio o segundo LP, também intitulado Cartola, que continha uma de suas mais famosas criações, As rosas não falam, e o seu primeiro show individual, no Teatro da Galeria, no bairro do Catete, acompanhado pelo Conjunto Galo Preto. O show foi um sucesso de público e se estendeu por 4 meses.
Em julho de 1977, a Rede Globo apresentou com enorme sucesso o programa “Brasil Especial” número 19, dedicado exclusivamente a Cartola. Em setembro do mesmo ano, Cartola participou, acompanhado por João Nogueira, do Projeto Pixinguinha, no Rio. O sucesso do espetáculo levou-os a excursionar por São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Ainda em 1977, em outubro, lançou seu terceiro disco-solo: Cartola – Verde que te quero rosa (RCA Victor), com igual sucesso de crítica.
Em 1978, quase aos 70 anos, mudou-se para o bairro de Jacarepaguá, buscando um pouco mais de tranqüilidade, na tentativa de continuar compondo. Neste mesmo ano estreou seu segundo show individual: Acontece, outro sucesso. Em 1979, lançou seu quarto LP: Cartola – 70 anos. Nesta época, descobriu que estava com câncer, doença que causaria sua morte.
Em 1983, foi lançado, pela Funarte, o livro Cartola, os tempos idos, de Marília T. Barboza da Silva e Arthur Oliveira Filho. Em 1984, a Funarte lançou o LP Cartola, entre amigos. Em 1997, a Editora Globo lançou o CD e o fascículo Cartola, na coleção “MPB Compositores” (n°12).
Em 6 de abril de 2007 houve o lançamento nacional do documentário Cartola, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda. O filme – que mescla imagens de arquivos com reportagens e entrevistas nas quais o sambista e o samba são os assuntos principais – foi co-produzido pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAv), instituição vinculada à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.
Sua trajetória também é revista nos depoimentos de pessoas que conviveram com ele e por outras que fizeram parte do cotidiano da comunidade da Mangueira. Dentre dezenas de personalidades, dão seus testemunhos Arthur de Oliveira, Beth Carvalho, Cacá Diegues, Carlos Cachaça, Dona Zica, Elton Medeiros, Elza Soares, Hermínio Bello de Carvalho, Nara Leão, Marília Barbosa e Paulinho da Viola.
Sua obra é imensa com canções como:
- O mundo é um moinho (Cartola)
- Não posso viver sem ela (Cartola/Alcebíades Barcelos)
- Ensaboar (Cartola)
- Senhora tentação (Silas De Oliveira)
- Cordas de aço (Cartola)
- As Rosas Não Falam
- Nós Dois
- O sol nascerá (Cartola/Elton Medeiros)
- Divina Dama (Cartola/interpretação de Francisco Alves)
- Tive sim (Cartola/interpretação de Ciro Monteiro)
- Preconceito (Cartola)
- Luz negra (Cartola/A. Cardoso)
- Rugas (Cartola/A. Garcez/A. Monteiro)
- A flor e o espinho (Cartola/A. Caminha/G. de Brito)
- Degraus da vida (Cartola/C. Brasil/A. Braga)
Fontes:
Enciclopédia da Música Popular Brasileira, editada pelo Itaú Cultural.
tvcultura.com.br; cultura.gov.br; cartola.org.br
Imagens:
fishcds.com.br; historia.seed.pr.gov.br; odia.terra.com.br; globalvoicesonline.org; vidasimples.abril.com.br; new.rodrigofaour.com.br
http://Querco
Bom texto. Mas a discografia do Cartola não é imensa, é bem modesta comparada a de muitos grandes da MPB, seria melhor dizer, sem ressalvas, que a sua obra é imensa.
Tem toda razão Edson!
Já atualizei o artigo.
Muito obrigado, e volte sempre.
Forte abraço!