Como um presente dado a Freud se tornou o símbolo da psicanálise

12/08/2019

Como um presente dado a Freud se tornou o símbolo da psicanálise

O divã, originalmente um gabinete de administração otomano, entrou para a cultura popular como o lugar do paciente e do terapeuta

A primeira imagem que uma pessoa tem quando pensa em um consultório de psicanálise ou psicologia é o divã, sobretudo em países onde a terapia é uma prática difundida, como na Argentina ou nas grandes cidades brasileiras. O termo “divã do psiquiatra” se tornou um sinônimo de tratamento psicológico dado por qualquer terapeuta.

Mesmo o cinema se apropriou dessa imagem: Ben Stiller conta tudo ao seu psicólogo em um divã no filme “Quem vai ficar com Mary”, de 1998, e Woody Allen, interpretando Alvy Singer, tornou um divã de couro preto famoso em “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de 1977. Apesar disso, a maioria dos consultórios reais não têm nada a ver com o que aparece nos filmes.

O divã do primeiro psicanalista foi uma cama comum de origem vitoriana dada como presente a um neurologista austríaco que se tornaria o pai da psicanálise: Sigmund Freud.

O móvel foi uma doação de uma de suas pacientes, a Madame Benvenisti, feita em 1890. Segundo os biógrafos dele, era uma cama grande com um colchão e coberta com um tecido iraniano colorido e com almofadas gastas.

A peça, no entanto, foi inventada no Império Otomano (hoje Turquia), onde os divãs eram parte fundamental da decoração das casas dos grandes aristocratas, sempre repletos de almofadas e encostados nas paredes. Eram chamados assim porque, no império, divã também era o nome de um órgão governamental (comum até hoje em países muçulmanos), uma espécie de gabinete de administração do Estado — onde, inclusive, existiam muitos exemplares dos divãs. Quando chegaram à Europa, no século XVIII, se adequaram ao romantismo da época, e logo se tornaram móveis das ante salas femininas francesas, as chamadas boudoirs.

“É uma peça de mobiliário que se associa facilmente com as mulheres vitorianas”, disse o curador do Museu de Freud, em Londres, Ivan Ward, ao jornal The Guardian. “A ideia de que uma paciente curada dar ao seu médico um presente era uma forma de dizer: ‘Estou melhor, não preciso de mais terapia'”, completou.

Crédito: divulgação

O móvel começou sua caminhada pela cultura popular durante uma viagem que Freud fez aos Estados Unidos em 1909. “A ideia do divã do psicanalista se desenvolveu ali. Inclusive é possível ver as referências freudianas nos filmes de Hollywood feitos nos anos 1930”, segue Ward.

Freud utilizou o divã em suas consultas antes mesmo delas se tornarem a psicanálise. Tinha experimentado toda sorte de recursos, desde a eletroterapia até massagens e banhos terapêuticos, até que finalmente abandonou essas técnicas por falta de provas de que estava tendo êxito com elas. Foi apenas quando a sua ideia de uma “livre associação” se combinou com suas teorias psicanalíticas que o divã ganhou importância.

Freud acredita que sua técnica — pedir ao paciente que se deite de costas, sem fazer contato visual, e fale o que primeiro lhe vem na cabeça — podia entregar novas ideias para o método psicanalítico. O divã, assim, ajudou a criar um ambiente que era tanto clínico quanto intimista, o que permitia aos pacientes explorarem ao máximo seus pensamentos e ideias, construindo um quadro de trabalho ao analista.

Foi também no consultório de Freud que surgiu a ideia de que o terapeuta se sente atrás do paciente: ele experimentou colocar sua poltrona em várias posições, mas preferiu deixá-la por detrás do divã depois de um episódio em que uma mulher, virada de frente para ele, tentou seduzí-lo. Em uma de suas anotações, ele revela, porém, que não queria passar nove horas por dia sendo mirado por seus pacientes.

As críticas à psicanálise enquanto método também chegaram a essa disposição dos móveis anos depois da morte de Freud. Seus opositores diziam, por exemplo, que manter o paciente virado de costas permitia ao analista ou terapeuta se distrair durante a consulta. O próprio Freud, no entanto, antecipou uma resposta a isso. “Ele acredita que o profissional deve se sintonizar com o paciente, como um receptor telefônico. É um forma de comunicação inconsciente”, afirmou Ward.

Os psiquiatras que trabalham em hospitais, assim como muitas outras escolas de psicologia e de análise que surgiram das ideias freudianas, não usam tanto o divã, argumentando que ele impede uma relação de confiança entre o profissional e o paciente. Mesmo psicanalistas assumem que a disposição dos móveis é problemática, deixando que o paciente decida onde quer se sentar ou deitar.

Grande abraço!

Press Office

Tags:,

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *