Ética
Família ou Escola (Qual a Esperança da Moral?)
Por Helio Eduardo Pinto Pinheiro – 1997
Na vida cotidiana, e comum, de todo indivíduo, os maiores problemas com os quais ele se defronta (e até inconscientes), são os problemas relacionados com o confronto social. São as relações de conduta entre o indivíduo e a comunidade em que vive, e reciprocamente, os sentimentos de como a comunidade conduz-se à ele. São problemas práticos, que mostram na realidade vivida e experenciada, e cujas soluções nem sempre dependem, exclusivamente, do próprio indivíduo, que os propõe, mas , às vezes, daqueles em cujas conseqüências as decisões e atos anteriormente se desencadearam.
Em quaisquer que sejam as situações, onde os indivíduos colocam-se em discussão, tendem à necessidade de que tais conflitos sejam regulados ou intermediados por algum tipo de norma que os possam conduzir com segurança à conciliação. Entretanto, é necessário, também, que essas normas sejam aceitas e reconhecidas pela sua comunidade e, assim como, por ele próprio, para que a conclusão, encontrada no conflito, seja aceita de forma legal. É de acordo com essas normas que o indivíduo terá a noção e compreensão de “como e deve” agir perante os conflitos, e de “como e deve” ser a sua conduta no seu cotidiano. Porém, não basta o conhecimento dessas normas de conduta e ação pelo indivíduo. É necessário que essas normas sejam aceitas e interiorizada como corretas por ele. Essa será a sua base e parâmetro de suas ações. Assim ocorrendo, o indivíduo terá condições de agir “moralmente”.
Sucedendo ao comportamento “prático-moral” do homem, incluso desde as sociedades mais primitivas, o homem passa a refletir sobre ela. Não só convive com ela. como também, esta passa a ser parte de seu pensamento. O homem agora une a “moral vivida à moral reflexa”. Não há mais como viver com esses dois conceitos separados. Inicia-se , então, o homem, no mundo dos problemas “teóricos-morais”, ou “ éticos”. A ética, entretanto, não levará o indivíduo a solucionar a especificidade dos problemas apresentados, pois ela está caracterizada por sua capacidade de generalização dos problemas. A ética será a guia para um “comportamento moral”. A solução dos problemas, individuais, é de ordem prático-moral e não teórico-ético. portanto, o “como agir” diante das situações é moral, e o “conceito” do que é certo ou errado, bem ou mal, é “ético”. Os problemas teóricos e práticos, no terreno da moral diferenciam-se, mas não estão separados por uma linha intransponível. A solução de um não deixa de influenciar no entendimento da outra, e vice-versa.
A ética, como pensamento normativo, facilita ao esquecimento, o seu caráter teórico. Deste modo, a ética funciona como um legislador do comportamento moral. Mas a função fundamental da ética é explicar, esclarecer e investigar uma tal realidade, de modo que possa elaborar seus conceitos correspondentes, teorizando. Por outro lado, como a realidade moral varia historicamente, pretender formular normas e princípios universais, abandonando a realidade moral, seria afastar da teoria a realidade objetiva que tende a analisar. Não cabe à ética formular juízos de valor sobre os princípios de moral de determinadas sociedades. Deve, porém, antes, explicar a razão dessa pluralidade e as mudanças das morais. Esclarecendo o fato dos porquês das diferenças das práticas morais, e até opostas. Como ciência, ela confronta-se com fatos, realizando um estudo objetivo e racional. Ela deve oferecer a compreensão racional de um aspecto real efetivo, do comportamento do homem.
Como fato histórico, a moral só poderá existir quando o homem supera a sua natureza puramente natural, possuindo, então, uma natureza social. Através do trabalho, o homem submete a natureza, ele se coletiviza. Somente com a caráter coletivo do trabalho ele garante sua sobrevivência e a da comunidade. Assim, através de suas relações com a comunidade nasce uma necessidade de uma série de normas e que, por conseqüência, teremos, aí, o surgimento da moral, visando a concordância do comportamento de cada indivíduo, com os interesses coletivos. Mas nessa sociedade, o indivíduo não é um ser pessoal e individual. Ele pertence à comunidade, fazendo com que a sua moral não seja suficientemente desenvolvida, pois que, a sua vontade e liberdade não existem para que possa defini-la. Não há responsabilidade pessoal, pois o coletivo absorve o pessoal.
O progresso moral se mede pela ampliação da esfera moral na vida social. Assim, como se pode reconhecê-lo pela elevação do caráter livre e consciente do comportamento dos indivíduos ou dos grupos sociais. Por conseguinte, pelo crescimento de suas responsabilidades. Também perceberemos o progresso moral quando houver um certo grau de articulação e coordenação dos interesses coletivos e pessoais.
O homem progride moralmente? vejamos alguns fatos históricos… A partir do aparecimento de excedentes, como resultado do aumento da produtividade do trabalho, temos o surgimento simultâneo da desigualdade de bens entre os chefes de família primitivas, a apropriação de bens e o antagonismo entre ricos e pobres.
A conversão de prisioneiros de guerra em escravos ( transformados em força de trabalho) torna-se uma necessidade social. A divisão da sociedade antiga em duas classes antagônicas e fundamentais: “homens livres e escravos”. Traduzido, também, como uma divisão da moral: a dos dominantes e a dos dominados. Em algumas cidades-estado, escravistas, como por exemplo Atenas, a “moral dominante” chega a apresentar aspectos fecundos para o desenvolvimento posterior da moral, intimamente ligada à política, baseada na “razão”, sobre o relacionamento dos cidadãos. Isto irá conduzir o homem à consciência da responsabilidade pessoal como parte de uma “autêntica” conduta moral. A estrutura social desta época determinará uma conduta moral até o início da Idade Média. Agora, já não mais uma sociedade escravista, onde o escravo não era considerado um ser humano, mas sim uma coisa.
Entretanto, teremos ainda duas classes sociais distintas: os senhores feudais, por um lado, e os servos camponeses, dos outro. Este último, apesar da desumanidade com que era tratado, possuía uma vida um pouco melhor, e algumas perspectivas, inclusive o direito à vida e o reconhecimento como ser humano.
A moral da sociedade medieval correspondia às características sócio-econômicas e espirituais. com uma grande influência sobre esta época, a Igreja Católica comandava e ditava a sua própria moral. E, apesar do cristianismo pregar a “igualdade entre os homens”, ela aceitava e corroborava com o sistema servil vigente. Com o advento da “ burguesia”, uma nova divisão na estrutura social aparece. Proprietária dos meios de produção, ela fundamenta o trabalho assalariado, financia Estados, patrocina o desenvolvimento e ocupa um lugar de destaque na política, até conquistar o poder. Em fins do século XVIII, a burguesia instala-se sobre o poder político-econômico, fazendo desaparecer do primeiro plano a “aristocracia feudal-latifundiária”.
Neste novo sistema econômico-social, que alcança sua expressão clássica no século XIX, encontraremos o conceito de “alienação”, ou seja, a atitude do operário em relação ao trabalho, pois que “esse” é realizado e produzido sem interferências, desejo ou vontades do operário, assim como também é alheio do seu pensamento e objetivos, não sendo, inclusive, o operário dono do produto de seu trabalho. Todo esse sistema, apoiado sobre a idéia do lucro máximo, o culto ao dinheiro, ao poder, despertando sobre os homens o espírito de posse, o egoísmo, a hipocrisia e o individualismo exacerbado, gerará uma constituição moral, uma moral própria.
Dos métodos brutais de exploração do capitalismo clássico, a partir dos anos 30 do século XX, eis que este passa a apoiar-se em conceitos de produção, como os de “Taylor”, da OCT (Org. Cietífica do Trabalho) – método altamente ignóbil e frio, de exploração selvagem do trabalhador. Mais adiante, outros métodos serão utilizados para a manutenção do sistema. Baseados numa pretensa humanização ou valorização do trabalho, inculca-se no trabalhador a idéia de que este “faz parte da empresa” e de que deve integrar-se a ela. Amoral, agora aplicada, ajuda a justificar e reforçar os interesses do sistema, regidos pela lei de produção da “mais valia”. Uma moral alheia aos verdadeiros interesses humanos. Do mesmo modo, perceberemos a exploração do homem pelo homem. Reconheceremos, também, a mesma moral, no que refere-se à exploração de nações por outras nações – imperialismo e colonialismo.
Assim observado, seguimos na história os mesmos preceitos, desde a antigüidade: “a moral dos dominantes sobre os dominados, os fortes sobre os fracos, os ricos sobre os pobres”, largando de lado a razão mais importante da racionalidade humana que é a conquista de todos a uma vida moral justa e única, digna, sob uma só ética.. Assim, a superação deste desvio social, a abolição da exploração do homem pelo homem e a submissão econômica e política de um país por outro, constitui a condição necessária para construi-se uma nova sociedade. Onde vigore uma moral verdadeiramente humana e universal. Entretanto, para alcançarmos esta condição, é necessário revertermos um processo cultural já fossilizado, e imputar a alguns setores sociais, a responsabilidade de fazê-lo.
O homem, a partir de seu nascimento, é desenvolvido conforme as possibilidades e os limites dos seus agentes de formação, na maioria das vezes em situação de extrema precariedade. Tais agentes, o lar, a escola, a igreja e a sociedade, entretanto, constituem atualmente instituições francamente falidas, sem nenhum poder de condução do homem para uma existência realmente digna de viver. A família, cada dia mais fragmenta-se e desorienta-se em seus objetivos mais claros. Incapaz de assumir seus deveres, mais inerentes, na formação de novos indivíduos, o casal atribui à escola o papel que deveria ser por ela assumido, e que fazem parte de seus direitos e deveres inalienáveis.
A escola, do básico à universidade, por sua vez, mal formada, improdutiva e falaz, abusiva e miseravelmente criadora, pouco ou nada acrescenta à transmissão de conhecimentos e, fatalmente, à improdução intelectual dos alunos. Produzindo uma série interminável de regras, normas e preconceitos que indubitavelmente imporá ao estudante uma condição de alienado, perante à vida que se lhe inicia, confirmando, assim, o seu papel de mantenedora das condições e do sistema atuais. À serviço da classe dominante e do Estado, que ajuda a formar.
As religiões, diga-se de passagem, pouco têm feito para a felicidade autêntica do ser humano. Ao contrário, a elas cabem mais responsabilidades pelos profundos temores à divindade, pelos preconceitos, fartamente arraigados no indivíduo, pela dor do homem diante do futuro, imaterial e ameaçador, e pelos muitos processos de bem-aventuranças. À elas, cabem também a responsabilidade pelo injustificável sentimento de culpa que a maioria das pessoas têm a respeito de si mesmas, de sua natureza, de seu sexo e de sua integração com os outros. À elas podemos apontar, também, a convivência com os sistemas escravistas e de exploração do homem, colocando quase sempre, com “ raríssimas exceções individuais”, a sua força de comando de massas a serviço do poder dominante e sempre em seu benefício.
Sobre a sociedade, basta lembrar as odiosas manifestações de injustiça social, cometidas em todas as partes do mundo, contra a integridade humana, a saúde, a inteligência e a paz a que tem direito todos os homens. Às tentativas humanas de reconhecimento da identidade pessoal, como valor insubstituível e único deste universo, a “ cultura social” contrapõe uma educação de massas, uma conformação dos indivíduos sob uma mesma forma de pensar, de motivação e desejos, aspirações. A mídia, ao invés de um papel socializante, informativo e conscientizador da sociedade, serve, ao contrário, ao ideal massificador de idéias e opiniões, obtendo, neste sentido, resultados extraordinariamente eficientes.
Sentir a existência como algo inestimável, que realmente vale ser intensamente vivido, só é possível entre os indivíduos cuja vida exterioriza-se em múltiplas e variadas manifestações de criatividade. Infelizmente, porém, a grande maioria das pessoas converteu-se em caricaturas de humanidade, e raramente vivem a vida em plenitude e em harmonia com sua potencialidades. A grande maioria das pessoas desempenha papéis sociais, ela não “ é” . Sua vida é pautada pelas expectativas de comportamento, pelos códigos e valores sociais, trazidos de fora de suas vidas, impostos pelas ideologias dominantes. Ser pessoa é apoderar-se de si mesmo e da própria consciência. É estar em permanente processo de auto-conhecimento e criatividade. Quanto mais pessoa se é, maior é o distanciamento de todo e qualquer padrão de comportamento.
Para conseguir e conservar a liberdade e a integridade, enriquecer seu sentimento de autonomia e prosseguir na luta interior pela conquista do próprio “eu”, o homem precisa ter coragem para criar, abrir sozinho seu próprio caminho e permanecer, custe o que custar, fiel às próprias convicções, sem fossilizá-las, no entanto, negando as possibilidades de transformação e mudanças. Para isto, o homem quer e necessita de valores. Paradoxalmente, a terrível crise do mundo contemporâneo fundamenta-se, principal e justamente sobre uma trágica e voraz fome de valores. Estes não mais existem ou, na melhor das hipóteses, estão invertidos. Tudo está sujeito à ingerência de interesses de minorias dominantes.
A amplitude das nossas responsabilidades e opções é muito mais vasta do que podemos supor. Escolher exigem coragem, neste momento histórico inexistente. Coragem não representa criação desta ou daquela cultura ou doutrina. Qualquer coisa que seja incutida de fora para dentro, como um valor moral, social ou religioso. Coragem é mais uma potencialidade humana, e seu desenvolvimento tem sido sistemático e tragicamente negligenciado pela nossa cultura de massas; quando não esmagadas pelos nossos sistemas educacionais, no lar e na escola; por uma contribuição efetiva e eficaz da mídia e dos credos religiosos. Assim, como vemos, os fatores essenciais, que podem e que possuem a responsabilidade de mudança ou tomada para uma nova consciência, facilitando e promovendo o início de uma nova sociedade, recaem sobre duas instituições primordiais, a família e a escola. Vejamos, então, estas duas instituições em nossa atualidade.
Existe em nós uma certa nostalgia das imagens clássicas da família burguesa, a qual, na realidade, foi numericamente pouco expressiva. Tais imagens refletem mais um modelo idealizado e trazido pelos imigrantes dos diversos países europeus, em um passado mais ou menos recente, do que um modelo surgido e construído aqui mesmo no Brasil. Com os portugueses, vieram para o Brasil suas normas jurídicas, costumes e tradições, relativas às suas vidas familiares. Desse ponto, temos estabelecido uma moral familiar baseada na moral dos colonizadores portugueses. Assim, descrevem-se “aqueles tempos” em que existia um patriarca. O chefe de família, em todos os sentidos, exercendo a autoridade moral e econômica sobre a mulher, os filhos e os empregados. Essa família-modelo tinha diversas funções: fonte de estabilidade econômica, base religiosa, moral, educacional e profissional.
Os menos saudosistas vêem no presente um avanço e não uma regressão àquela época. Freqüentemente reconhecem a existência desse estereótipo, mas o descrevem com uma conotação emocional diversa; dizem que progredimos, pois passamos do poder arbitrário dos mais velhos, para uma liberdade maior para os mais jovens. O mito da “grande família unida e de sólidos princípios”, de antigamente, é, como a maioria dos estereótipos, fruto de valores idealistas. Poucas são as famílias que mantiveram-se unidas por muitas gerações ou englobando um parentesco extenso de múltiplos graus.
O “ideal” referente à família não varia muito de uma camada social para outra. Porém, há diferenças concretas entre as famílias das diversas classes sociais existentes. Por exemplo, a premência econômica impele às classes sociais mais baixas uma grande mobilidade geográfica. Entre o proletariado encontramos muitas famílias nucleares, em que o casal não é unido por laços legais, assim como também, um grande número de famílias “matrifocais”, onde a mulher é o chefe da família. Esta família, entendida como “família incompleta”, tem a sua coesão afetada pela ausência, omissão ou revezamento da figura masculina. Esta situação possui características próprias como: vida marcada pela transitoriedade, subemprego, falta de ocupação estável, falta de moradia ( o imediatismo como determinante de suas ações); baixo nível de instrução; insegurança econômica e psicológica; carência afetiva; código próprio de valores. Para esta população, o “provisório” é a sua maneira habitual de viver.
A maioria dessas pessoas são oriundas do campo, que não conseguindo mais fixar-se aí, recebem forte atração das cidades, que lhes aparecem oferecendo a perspectiva de uma vida melhor, um mercado de trabalho mais amplo e a existência de recursos educacionais e assistenciais. As famílias iniciam uma verdadeira “ peregrinação”, procurando primeiramente os “possíveis mais próximos”. Quando então estes se mostram insuficientes, outras regiões, então, são procuradas. Nessa trajetória, os elementos de desintegração da família começam a atuar. Na cidade grande, por razões de ordem econômica, não lhes resta alternativa senão a fixação em áreas periféricas, marcadas pela precariedade de moradia e deficiência de serviços de infra-estrutura. Instalam-se, pois, nas favelas. A marginalização está selada: subemprego, promiscuidade, alcoolismo, etc… Nasce, então, um processo crescente de frustração frente às ilusões não concretizadas. A precariedade econômica desses indivíduos será mantida pela transitoriedade nos empregos. “Sua força de trabalho serve ou desserve à economia segundo o contexto político e econômico do momento. O problema do ganho para a sobrevivência é agravado pelo contexto capitalista da cidade grande, que leva às últimas conseqüências a concepção de que é o dinheiro que realiza o homem. Esta idéia é dominante em todos os meios de comunicação.
As repercussões na família assumem novas formas:
os baixos salários exigem que todos os adultos e crianças maiores trabalhem, enquanto os menores ficam abandonados;
– uma quase ausência dos indivíduos em ambiente familiar ( quer pelas extensas horas de trabalho, quer pela distância do trabalho à casa ou pela dificuldade de condução);
– o clima crescente de agressividade no lar, devido à falta do mínimo necessário, e as exigências criadas pelos membros entre si;
– o álcool, procurado para aliviar as tensões, acaba estimulando a agressividade e a desintegração da família;
– o abandono do pai ou responsável passa a ser iminente ( a carga é pesada demais para o seu grau de tolerância);
– a mulher, abandonada junto com os filhos, vê-se impelida à saídas freqüentemente destrutivas ( esmola, novo protetor, trabalho em maior número, etc);
– os filhos também não agüentam a pressão ( não há espaço físico e nem alimentação suficientes; fogem de casa);
– para os “elementos solteiros”, a falta de perspectiva são um estímulo para uniões transitórias, e surgem novos problemas: filhos sem pai.
Esta situação sócio-econômica leva-nos à configuração de um “ tipo humano no limite da sobrevivência”. Em resumo, o fenômeno da transitoriedade em todas as suas dimensões tende a se perpetuar na criação de novas famílias incompletas. Pela permanência de condições geradoras e pela transmissão de uma série de condicionamentos que atuam ao nível psicológico dos indivíduos. Aí podemos perceber que a falta de uma consciência moral, baseada na estabilidade econômica-social, criará uma nova moral, baseada no imediatismo da sobrevivência.
Na classe média, de moralidade nuclear, antes idealizada como um modelo ,de família feliz e mantenedora das tradições e das instituições firmadas, percebemos uma mudança em seu fio condutor.
Concebida para a manutenção do sistema estabelecido ,e com um nível de vida satisfatório, agora vemos uma sociedade apavorada em manter os privilégios, que a cada dia distanciam-se mais e mais, levando com isso, aos poucos, à uma desintegração familiar, onde, cada um de sues membros, embora apoiados em uma constituição rígida e moralmente estável, embasbacados com uma crescente necessidade de competição (até interna), abandona sua própria integridade, corroborando para a “coisificação” do sistema. Nela, não mais encontramos a centralização da mulher como mãe, mas como uma companheira, que tem hoje a obrigação de trabalhar fora, para que a família possa manter o seu “status”. Não mais o marido consegue sozinho garantir os privilégios, anteriormente pertencentes à classe, mas vê-se obrigado a dividir com a mulher esta situação.
Exclamamos que aí encontramos um progresso social, pois vemos uma ponta da emancipação feminina. “É claro que sim”. Pois nada mais justo do que ter a mulher como parceira, e não como uma empregada do lar ou da família, no seu desenvolvimento. Nada mais correto do que perceber a mulher usufruindo dos direitos e deveres, anteriormente somente aos homens pertencentes. Mas vivenciamos, aí, uma situação de conflito. Pois agora, a mulher como dona de sua própria vida e destino, não mais entende a família como um núcleo de desenvolvimento estável e agradável, mas sim, como um tipo de estorno, onde vê-se obrigada a dividir, ou até mesmo abandonar os seus ideais emancipadores e de desenvolvimento pessoal. É injusto, pois veremos em famílias onde as mulheres trabalham, algumas estenderem seus esforços, prolongando em casa a sua jornada de trabalho, na tentativa de compensar a sua ausência diária.
Mas, e os filhos? Como ficam durante esse período? Já sem a presença da figura paterna, fato histórico e culturalmente absolvido, agora, também, se vêem prescindidos da figura da mãe. Em quem guiar-se-á para construir a sua estrutura psicológica? Em quem refletir o seu comportamento? Na empregada doméstica? Dentro das creches? Com os avós ou tios? Há, aí, um desafio que teremos de solucionar, pois toda uma geração cresce sem estímulos internos da família e influenciada por agentes externos ao seu núcleo. Por outro lado, as únicas mensagens que percebem são as corridas desesperadas ao dinheiro, aos bens de consumo, aos sentimentos egoístas e ao individualismo.
Assim, um novo tipo de moral pode ser percebido: uma moral firmada em conceitos consumistas, individualistas, homens escravos de um sistema e alienados por problemas sócio-econômicos que os rodeiam. Passando a ter um comportamento de indiferença, tendo sempre por meta a obtenção e a manutenção de seus privilégios.
Na classe alta, por ser ela a detentora dos meios de produção ou dos recursos que a mantém no poder, um total afastamento e distanciamento dos problemas que afligem a maioria dos indivíduos, preocupando-se apenas em conservar seus direitos e usufruir dos benefícios e privilégios; indiferentes e às vezes, até mesmo inconscientemente, alheios aos problemas sociais do país. Dessa classe, pouco temos a descrever, exceto pelo fato de que, nela, encontramos aqueles que beneficiam-se com esse estado de coisas, e que, aí sim, manipulam as situações e pessoas, “ determinam governos e instituições”, visando sempre a sua conservação e intentando, sempre, no sentido de aumentar a sua parte do “bolo social”, em detrimento das outra classes, obrigando a estas, em conseqüência, a lutas desesperadas para tentarem conquistar uma fatia, cada vez menor, do “bolo”, que sobra.
Nesta classe observamos, como nas outras, um tipo de moral diferente. a moral baseada na indiferença às condições sociais, às classes sociais; a aprendizagem na manipulação de situações e pessoas, a hipocrisia social; a única motivação possível na vida: aproveitar ao máximo tudo aquilo que o dinheiro e o poder podem oferecer, e manter as condições atuais sempre atuais.
Portanto, no que se refere à família, encontraremos morais diferentes, em diferentes classes sociais. Tornando-se difícil, deste modo, a partir da família, criarmos ou idealizarmos uma moral única e universal, pudesse levar o ser humano a uma mudança de conduta, do comportamento.
Analisemos agora o papel da escola, na sociedade, como um elemento de formação moral. A partir do momento em que, a família em geral, acha-se desintegrada, ou desintegrando-se, baseada em morais distantes de um ideal universal, reconhecemos que a única instituição que poderia remodelar ou tentar ensaiar uma mudança de consciência e comportamento social, num futuro não muito próximo, é a escola. À ela foram desviadas as responsabilidades inalienáveis da família, no que refere-se à educação do indivíduo. Vejamos.
Somente o estudo concreto das diferentes formas do comportamento humano, no seu desenvolvimento histórico, assim como nas suas relações com a estrutura social pode dizer-nos, como e porque surgem as diversas formas de conduta humana e, como e porque, uma delas desempenha, numa época determinada, o papel principal.
A política assume, hoje, o papel principal, que determina as atividades dos grupos sociais que tendem a conservar a ordem social estabelecida, podendo reformá-la ou transformá-la, quando julgar necessário, incluindo, aí, o poder desenvolvido na ordem nacional e internacional. A política é uma forma de atividade prática, organizada e consciente. Na política, o indivíduo encarna uma função coletiva, e a sua atuação diz respeito a um interesse comum. Na moral, ainda que o indivíduo esteja presente, pois o homem é um ser social, ao contrário, o elemento íntimo, pessoal, desempenha um papel importante. Ainda que as normas morais possuam um caráter coletivo, é o indivíduo que deverá decidir, pessoalmente, se deve ou não seguir as normas, e assumir pessoalmente esta responsabilidade.
A separação absoluta da política e da moral conduz ao predomínio do egoísmo sobre qualquer outro motivo, e a justificação de qualquer meio para satisfazê-lo. Porém, a moral efetiva é um fato social e não pode ser considerada como um assunto privado e íntimo. É uma forma de regulamentação dos homens que cumpre uma função social e, por isso mesmo, não pode ser separada da política.
No sistema democrático, “este” em que vivemos, a política, ou melhor, o conhecimento da política, é a condição fundamental para que a sociedade, como um todo, possa controlar e comandar seu próprio destino. Com a ausência de responsabilidade, na formação cultural e moral dos indivíduos, pela família, cabe à escola esse papel. É ela que deveria , a partir de suas disciplinas, de seus funcionários, imprimir na comunidade estudantil, uma educação direcionada à conquista de uma nova moral. Onde a realidade econômica-social não fôsse esquecida do contexto de nossa própria sociedade.
A aprendizagem escolar depende basicamente dos motivos intrínsecos de cada ser humano. Os motivos tem uma condição energizante. “Eles provocam comportamento”. é através da aprendizagem que o ser humano ajusta-se ou transforma o meio em que vive. A aprendizagem, sempre e invariavelmente, supõe mudanças de comportamento, e não só isso, quanto mais passível de suscitar mudanças, um fato ou situação, maior motivação terá o indivíduo para envolver-se nele. Como voltar-se as costas para as hipótese sombrias da carência cultural? E como atacar de frente os contextos vivos onde se dá ( ou não), historicamente, o processo de aprendizagem de valores antigos e novos? Não é por mero acaso que os conceitos de carência cultural e de marginalização social, produzidos pela ciência contemporânea, tenham-se revelado – aliás a curto prazo – formações verbais puramente ideológicas.
À educação cabe a função de construir um ser solidário em cada novo indivíduo. Educação é a ação exercida pelas gerações maduras sobre as gerações que ainda não encontram-se preparadas para a vida social. “ Tem por objetivo suscitar e desenvolver no ser humano, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade, política no seu conjunto e pelo meio especial a que os indivíduos particularmente se destinam” ( Durkheim – A Divisão Social do Trabalho, 1893). Esse ser social não nasce com o indivíduo. é preciso que a educação, enquanto socialização metódica, “ agregue ao ser egoísta e a-social, uma natureza de vida moral e social”.
Nas sociedades complexas, a educação tem um caráter unificador, pois garante a criação de uma base comum a todos, independente da categoria social, e é também diversificadora, pois justifica-se a sua diversidade numa sociedade na qual é imperativo formar indivíduos diferentes, para o exercício de tarefas diferentes. A educação, mais do que qualquer outro instrumento de origem humana, é a grande igualadora de condições entre os homens. Ela deve integrar e não contrapor o desenvolvimento natural à eficiência social.
Na sociedade capitalista, os resultados do processo educacional são humanamente positivos e politicamente neutros, e, portanto, desejáveis enquanto produto de ensino. Neste sistema, ela também cumpre um papel ideologizante, “ levando os educandos a adquirirem uma visão do mundo, compatível com a manutenção da sociedade de classes, estando assim a serviço dos interesses de grupos monopolizantes do poder econômico, social, político e cultural.
As instâncias escolares entram como elos do aparelho ideológico do estado. um processo implacável de toda instituição de ensino que visa a reproduzir a divisão de trabalho, viga mestra do capitalismo industrial e da tecnologia que o rege. Então como sair deste “ carrossel ideológico” e vivo em que a sociedade vive? Se a família, não tendo mais condições de reger e determinar a educação de seus membros, a escola, como instituição, é serva das ideologias dominantes, por conseqüência, a quem caberá a responsabilidade de mudanças na consciência da sociedade futura? Aos professores? Estes, na maioria, pobres coitados, mal formados por este mesmo sistema Alienador, sem papel de transformador de pessoas? Sim! E infelizmente sim. Pois vemos que toda uma geração de jovens, a cada ano é jogada sobre uma classe que cada vez mais distancia-se de sua função fundamental. Destituídos de um instrumental que os permita a crítica radical de seus pressupostos e de suas ações, acabam por dedicarem-se à práticas profissionais adaptativas e paternalistas, principalmente quando voltam-se para as classes subalternas.
É preciso, então, que os poucos mestres, que possuem um mínimo de consciência e dever social, incumbam-se desse papel: agir sobre os jovens, no intuito de acrescer-lhes o conhecimento político e social, além das disciplinas, previamente estabelecidas pelas instituições oficiais. Pois, somente quando a sociedade estiver politicamente informada e consciente de seus deveres sociais, é que poderemos transformar, pela política, a nossa consciência moral, e estabelecer, assim, uma ética, que então, poderá ser uma ética que tenha um sentido universal, onde a dignidade humana seja prevalecente sobre os interesses pessoais, ou de grupos minoritários dominantes, em detrimento da maioria da humanidade.
Portanto, encontraremos no professor, no corpo docente da escola, o núcleo, a origem possível de uma possível mudança ético-moral da sociedade. Assim entendido, é necessário que o professor afaste-se de seus interesses mesquinhos, alienados e egoístas, e tome sob sua responsabilidade a formação desta nova consciência moral. é preciso que as instituições, que reúnem estes profissionais, ou esta categoria profissional, da educação, os oriente, debalde qualquer orientação de outras instituições: a formação da sociedade estudantil, em todos os níveis, a uma nova ordem moral. Estes interesses deverão estar acima de seus interesses particulares, ou no máximo, tentar conciliá-los, mas, tendo sempre por meta maior o futuro de uma nova sociedade. “ A única finalidade da ciência está em aliviar a miséria da existência humana” ( Berthod Brecht). E, a única maneira de eliminar esta miséria é por intermédio da educação. Pois, somente quando o homem possuir o direito de “ realmente educar-se”, efetivamente cumprindo as normas dos “ direitos humanos”, é que ele terá condições reais e psicológicas de optar livremente e pessoalmente viver dentro de uma moral que o auxilie nos conflitos naturais da consciência social.
Bibliografia
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“ Psicologia e Ideologia” – Uma Introdução Crítica à Psicologia Escolar
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