O OLEIRO E O CRONISTA

03/11/2020

O OLEIRO E O CRONISTA

O ato de produzir, escrevendo… O momento da criação literária é sagrado. Redimensiona o mundo, a existência, as pessoas.

Por Antônio de Oliveira

De quando em vez, alguém me pergunta:  – O que é ser cronista? Especificando, literário, “por supuesto”. Pois os há, e competentes, o cronista social, o cronista político, o esportivo, etc.

Comparo o cronista com o oleiro. E, personalizando, com esse me identifico. Esse que, de posse da argila, lida com ela, fofa e gordurosa, azeitada. Amassa-a com água e modela. Enfim, faz uso dessa massa, quando não massinha. Do barro constrói sua arte o escultor, o ceramista. Deixa-a cozer. Tornar-se consistente. Sem rugas nem trincas. Nos trinques. Brincadeira séria. Ato de criação. Magia. Mistério. Momento de individualização. O feito em série eu encontro à venda no mercado. Aprendi o alfabeto para torná-lo falante.

Converso com as vogais tornando-as consonadas. Puxo para a rima, para o ritmo, para a liberdade poética. Não raro é o que se pode arranjar. Por isso a arte não tem preço. Arte pela arte…

Do barro fez-se Adão, o primeiro homem, homem de barro. Imagem significativa. E Deus soprou-lhe nas narinas o sopro de vida. Sopro, distância entre o barro e a vida. “Parla, Mosè!” Distância entre a fala e a arte de Michelangelo.

Minhas atuais palavras, ampliáveis, compõem o perímetro, os limites de minha potencialidade. Nesse universo agitam-se as ideias em busca de denominações, de imagens. Amasso as palavras, manipulo-as, esfrego, moldo-as na tentativa de uma composição. Conto palavras, corto palavras, divirto-me com palavras, busco significantes que tenham significado. Recheio-as. Procuro o melhor significado. Caçador de mim, mais que de palavras, ora abato algumas ora me ponho a pensar e, num estalar do polegar com o dedo médio… Eureka! Achei.

As palavras são espertas. Não se deixam fisgar com facilidade. Ariscas, intuo-as num átimo, num átimo as perco. Para de novo reconquistá-las. Por vezes, já impressas, o seu destino é a cesta de lixo. Lixo rima com luxo. Ora bolas, não há que falar em luxo. O que conta é o prazer estético.

Antônio de Oliveira
| Professor | Escritor | Poeta
| endereço:  Belo Horizonte Minas Gerais

Photo by Sarah Vaughan from FreeImages

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