Prefácio do livro “Andanças” de Helio Eduardo Pinto Pinheiro
Com muito orgulho publico nesta data (na verdade já era para eu ter publicado há muito tempo, rsrs), prefácio do livro “Andanças” escrito por meu amigo Helio Eduardo Pinto Pinheiro.
A profundidade e alcance das palavras nele contidas, remontam um quebra-cabeça de magnitude ímpar, que na verdade está montado, provavelmente, dentro de cada um de nós.
Nós, seres humanos.
Isso que somos: meros seres humanos!
Andanças
Prolegômenos
Uma parte dos homens, cidadãos (ou não) deste mundo, sente-se insatisfeita e incompleta. Embora essa insatisfação seja, de alguma forma, generalizada, o que destaca este grupo humano é a sua consciência a respeito de suas próprias insatisfações, ou quando menos, expuseram-se a elas – não elas sejam propriamente conhecidas, pois assim teríamos nossas soluções, ao menos em parte. e creio ser esta insatisfação, mesmo que concretamente desconhecida, porém conscientemente percebida, e de ser este grupo humano, os responsáveis pelas grandes mudanças históricas, políticas, – e mesmo pessoais, de cada indivíduo – ou não, da humanidade. Por isso é que classifico as insatisfações humanas, assim como estes grupos humanos como importantes alavancas, e fomentadores do nosso desenvolvimento, ou seja, foram eles os responsáveis pela nossa saída das cavernas para os campos, grandes e imensos, embora cheios de surpresas e riscos, à nossa frente. Portanto, fazer parte deste grupo, embora seja angustiante e atormentador é, de alguma forma, alentador.
Por que nossas angústias e ansiedades, a não ser pela causa de sermos e percebermos sermos incompletos e inautossuficientes? E de que precisamos para que nossa dependência se extinga? Não sabemos! E eis aí a nossa busca!(?) É preciso realizarmos a nossa catarse, e aí sim realizarmos o nosso processo. É impossível viver sobre o manto da mediocridade e do comum. Necessário se faz, e urge que iniciemos algum processo que nos catapulte para novas paragens. Entretanto, sem permitir que as antigas caiam em esquecimento. Observando as teorias científicas – embora não estejam ainda completamente definidas, e terem alcançado o status de verdades- sobre o surgimento do universo, da vida e do próprio homem, podemos perceber algo de comum em todas elas, cujo tema principal será o desenvolvimento das coisas, dos eventos. Enfim, evolução! (?) Para onde? Existe limiar? Até quando? Não sabemos, e creio que as respostas não sejam, afinal, tão importantes. Porém, acredito também que pelo menos algumas indicações, concretas, sobre as respostas seriam o suficiente para que pudéssemos prosseguir, em nossa jornada, de maneira mais tranqüila e menos conturbada. Por conseguinte, qualquer forma de resposta, que se tornasse, ao menos por um tempo qualquer, uma resposta definitiva para nossos desejos e anseios, fossilizaria e cristalizaria nosso desenvolvimento. Tornaríamos seculares em nosso pensamentos. Estabilizaria, por momentos, nossas angústias, no entanto barraria o nosso crescimento. Nos congelaria Não existe Paraíso! Não pode haver Pois isso seria a própria morte do espírito humano! Toda a natureza é dinâmica. Todo o Universo é movimento! É insatisfeito, inquieto. Natureza e Universo, sempre formando novas formas de se atualizar, e atualizando. Impondo novos conceitos e comportamentos, novas formas de adaptação. Não são estáticos!
Pronto! Conseguimos o ideal! Agora chega!” Não é verdade! É insano, ao meu ver, assim pensar. Fazemos parte, todos, seres vivos e inanimados, de um turbilhão de fenômenos que, por si só são dinâmicos. Não existe – pelo menos não conhecido – algo neste mundo ou nesta pequeníssima e infinitésima parte do universo, do qual temos conhecimento, que seja a mesma coisa, desde o princípio. Aliás, que princípio (ou fim)? Desta forma, até provarem-me o contrário, não vejo como não aceitar como verdade o tema evolução do crescimento e desenvolvimento de tudo e das coisas. Matéria e não-matéria não surgiram por si, do nada. Mas por alguma forma de energia inteligente e vitalizadora, dinâmica e, esta sim, perene. Transformação, esta sim é a chave. Nascer, viver, morrer. E fim? Além do mais, por que morrer? Por que surgir do “nada”, e assim, de repente desaparecer, tornar-se anônimo e desconhecido? Não! A dinâmica do mundo (como Ser), não nos permite esta ótica, simplista e mesquinha.
Assim, sob esta perspectiva é que tenho crédito, de sermos todos nós potencialmente possibilitados de rever o que nos angustia e, revelar, em alto e bom tom o que, ou o que pensamos ser. Precisamos! Nossas vidas, no fundo se igualam. Nossas incompletudes nos impulsionam. e uma das soluções (?) é dispormo-nos de espírito aberto às inter-relações – homem/natureza, homem/homem. (Não estranhem “homem” com “h” minúsculo, pois sendo o ser humano um fenômeno em constante transformação, não há como definir um Homem ideal, e por isso vir a ser um modelo definitivo.)
Embarcar na “Stultifera Navis”, mas numa viagem diferente. Fantasiosa, sim! Porém, mais construtiva – não na construção de um mundo privado – de um mundo participativo e não-alienado. Coletivo, no entanto, particularmente individual. Uma doce loucura onde cada indivíduo providencia sua libertação, provinda de uma abundância de significações, de uma diversa e variada demonstração de sentidos, tecidos por ele entre as várias relações que determinam sua vida; tão maravilhosamente enriquecidas que só podem ser inteiramente decifradas por ela mesma, passando, entretanto, aos outros vislumbres de seu próprio ser. Por isso o viver, de forma intensa e consciente é importante na vida de cada pessoa. Através de ações, trans-forma-ações, idealizar-ações. Fantasias, sonhos, tentar. Num indo e vindo de sentimentos e sentidos, moldando e remodelando nosso ser.
Dito isto, não ser simplesmente mais um vivente, sobrevivente deste mundo comandado por ideologias que retiram do homem a capacidade de ser, extraindo-lhe o direito a criar e recriar sua própria vida, tornando-o um número, um nada. Fingindo liberdade e autonomia, contudo, pensando igual aos outros tantos como ele, medíocres donos de vidas medíocres. Liberdade, mesmo que selvagemente renegado por Foucault às pessoas que imaginam ser possível sua existência, é deliciosamente saboreada, mesmo que em pequenos pedaços. Extasiasticamente percebida como um maravilhoso perfume, contido minimamente num pequeno frasco. E como instrumento de liberdade, nosso pensamento é a única coisa que não pode ser tocada, exceto quando nós mesmos permitimos que isto aconteça. logo, somos nós os únicos responsáveis por nossas prisões, pelo nosso cativeiro. Confirmando o pensamento de Weber, que condena a nossa sociedade, a sociedade moderna, definindo-a como um cárcere, assim como as pessoas que nela vivem são moldadas pelas barras desta cadeia: “Seres sem espírito, sem coração, … sem ser”. Contrapondo à este pensamento, moldado por esta volátil atmosfera modernista/consumista, onde o homem, pensando individualmente, não de forma individual e única, porém individual, segundo padrões já pré estabelecidos, é importante que reneguemos tais condutas. Condutas estas, individualmente vazias, porém cheia de medos, pânicos e pavores. Medo de agir, de ser; pânico de encontrar-se a si próprio; pavor de expor-se, de demonstrar a própria identidade, a vontade e desejos.
É costume em nossa cultura denominarmos de loucura as realizações que não se encaixam em nossos padrões de “normalidade”. No entanto, essa loucura nos fascina, ao mesmo tempo em que nos denuncia os desejos encobertos e recalcados, e que por isso mesmo condenamos – projetados que são – nos comportamentos desses “loucos”. Mas reconhecemos, apesar de tudo, que esta loucura é um saber. Um saber difícil, sofrido, mágico. Mas, a “sabedoria, como outras matérias preciosas, deve ser arrancada das entranhas da terra”(Cardan). Mas a “entranha da terra” está em nós mesmos. Somos nós mesmos a fonte da sabedoria de nossas vidas. Havemos de ser menos complacentes conosco mesmos, atiçando nossos momentos de criação e ação. Pois, por maiores que sejam nossos delírios, estes, no entanto, já estavam ocultos, submersos (como uma verdade escondida), como uma inacessível, nas entranhas da terra.
Seguindo, então, este caminho, não nos torna difícil perceber que o desejo de voar, liberto das condições pseudo-morais, que muito mais que acorrentar-nos, impossibilitando-nos a criatividade, o prazer de viver e crescer, condena-nos e acusa-nos incapazes, seguidores ineptos de reação, de ideologias e comportamentos pré-programados. Fazendo-nos operadores de suas vontades, encobertas por falsas promessas de felicidade, desvirtuando-nos de nossos verdadeiros caminhos. Com o intuito de tornar-nos vis servidores. Assim, apesar de todas as dificuldades, evidentemente reais e concretas, cumpri-nos embarcar nessa nave. A nave da doce loucura. Que navegando por nossas fantasias e desejos e anseios, transportar-nos-á por sobre os campos da hipocrisia e mentiras, evitando as barreiras da angústia, existencial ou psíquica, elevadas pelas hordas dos brutamontes ideologizantes, provocadores de todas as desgraças mundanas.
Custar-nos-á dor e desprendimento. no entanto, é preciso que nos desgarremos dos pequenos e fugazes prazeres, mesmo que muito bem preparados e fabricados, para nos manter presos, e dediquemo-nos, nossas vidas, a nós mesmos. Expondo-nos às outras pessoas, pois que não nos reconheceremos se não formos pelos outros reconhecidos. Desta forma, mostrar-nos aos outros e reconhecer nos outros suas dores e angústias; convivendo com os outros os momentos de suas vidas; tomando atitudes contra os atos de violência em relação à vida, é uma forma de, protegendo os outros, protegermo-nos. Já que não existirá nenhum tipo de vida satisfatória, enquanto pessoas estiverem sofrendo, e ficarmos parados e estáticos, fingindo não ser de nosso alvitre, nossas ações contra tais atos. É preciso que, sempre, os intrépidos navegantes das “Strutiferas Navis”, voltem suas velas à favor dos ventos da vida, da liberdade e da ação. Direcionando seus lemes aos portos onde a criatividade, respeito e dignidade sejam os únicos portos seguros para que possam, ali, deitarem suas âncoras.
Não abandonar nunca estas belonaves é sentir a segurança das transformações, na certeza de que, por maiores que forem as dificuldades e entraves, as angústias e as dores, o raiar de sempre um novo degrau, na escala do desenvolvimento e do crescimento intelectual e espiritual se farão presentes. Elevando-nos acima das espécies viventes, que somente agem com seus instintos, impossibilitadas de, ainda, alçarem seus vôos para o complexo mundo do verdadeiro prazer da liberdade, e do pensamento. Como diria Sartre: “Somos todos eternos condenados à liberdade. À liberdade e à responsabilidade”. Por isso, fazer valer este precioso atributo é fazer valer a própria vida. Iniciar, então, a jornada dos loucos libertos é tentar fazer valer a nossa capacidade criadora, tentando extrair com ânsia e vontade todas as verdades possíveis e imagináveis. Preciosas para a nossa vida, para a vida de toda a humanidade, que como pedras preciosas e todas as preciosidades que conhecemos, são arrancadas das Entranhas da Terra”.
Por Helio Eduardo Pinto Pinheiro, em 1999.
Contato: hedppinheiro@gmail.com
Imagens: sxc.hu
http://FlaviA
Maravilhoso trabalho! Parabéns Hélio e Tome
Obrigado pelo elogio Princesa Flávia!
Te amo tantão!