Violência contra a mulher brasileira na França

27/08/2010

Violência contra a mulher brasileira na França

Fiquei tão, mas tão, tão indignado com o fato que resolvi postar na integra o triste e sincero relato da Mirelle.
Em um momento como este em que a Lei Maria da Penha é uma realidade no Brasil (e funciona), é um absurdo países que pelo menos se consideram desenvolvidos e de primeiro mundo, tolerarem ainda qualquer tipo de violência, ainda mais contra as maravilhosas mulheres.

Pois é amigos, ao que parece na grande, moderna, desenvolvida e liberal nação francesa ainda impera o imperialismo hipócrita do mais forte.

Leiam o relato abaixo, comentem e divulguem o máximo que puderem.
Já basta o caso Jean Charles (ao que parece, ainda sem solução).

Mirelle Siqueira
Lyon, França

Essa é para os homens: O que você faria se sua mulher te ligasse da rua, chorando, para contar que acabara de ser agredida por um homem que ela nunca viu na vida? O Léo passou por isso há pouco mais de um mês.

A França esta em plena campanha para encorajar as denuncias de agressões contra as mulheres. O governo se mobilizou e declarou que esse tipo de violência seria a Grande Causa Nacional de 2010.

Aqui na França*, 2 milhões de mulheres são agredidas por ano pelos seus maridos e 400 morrem apanhando, ou seja, mais de uma por dia. São pelo menos 75 mil casos de estupro todos os anos, 205 por dia! A meu ver, o mesmo homem que estupra ou agride dentro de casa, é aquele que distribui murros no trânsito. Foi assim que eu entrei para as estatísticas.
Andando de bicicleta pela cidade, passei por um homem de uns 40 anos que ficou furioso e assustado quando tentou cruzar uma avenida, sem olhar para a direção de onde eu vinha. Buzinou e foi atrás de mim. Jogou o carro contra a minha bicicleta, quase me fazendo cair no chão. Desceu, gritou, e ao me ver calada em estado de choque, me deu um murro forte nas costas. Eu, sei lá como, consegui improvisar um francês para dizer que no meu pais homem não pode bater em mulher, e depois dei-lhe umas bolsadas para me defender. A confusão foi muito além, ele ainda me perseguiu e ao me encontrar uma segunda vez, me ameaçou.
Chorando e muito desesperada, esperei o Léo sentada na calçada para irmos à delegacia. Foram mais de seis horas entre depoimento e hospital, para fazer o exame de corpo de delito. “Contusão nas costas, torção no punho e estado de choque” dizia o relatório médico. Incapacidade total de trabalho: 4 dias. Para ter valor penal, precisa ser de pelo menos oito. Ou seja, perante as leis francesas eu não fui agredida o suficiente para processar o cara, já que não tive o nariz quebrado, nem fiquei com o olho roxo.
Dado empurrou Luana e ganhou o direito de passar quase 3 anos dormindo na prisão. Um exemplo para mostrar que no Brasil, a Lei Maria da Penha não nasceu para ficar no papel.

A minha indignação infelizmente não pára por ai. Recebi uma convocação para comparecer à delegacia hoje, achamos que eles queriam mais informações e fomos tranquilos. Chegando lá, um policial muito grosso e agressivo me encaminhou para uma sala sem permitir que o Léo fosse junto, mesmo sabendo que eu não falava francês muito bem. Na sala, dei de cara com o homem que me agrediu. Em nenhum momento soubemos que esse homem estaria lá, portanto, eu não estava preparada para fazer essa confrontação. Depois descobrimos na internet que eu poderia ter me negado a entrar, mas em momento algum recebi essa informação na delegacia.

Fui coagida pelo policial o tempo todo. Ele passou os primeiros 30 minutos fazendo perguntas só para mim, falando rápido e tentando me colocar contra a parede, para cair em contradição, enquanto eu chorava copiosamente. Ao homem, ele não dizia nada. Fui constrangida e tratada como se fosse a culpada. Até eu já estava me convencendo de que a errada fui eu por ter incomodado o andamento do “sistema” com uma denúncia assim, tão banal. Afinal, agressão que não quebra osso algum, não é bem uma agressão agressão, certo?

Na delegacia:
– Você subiu na bicicleta falando ao telefone depois que o senhor saiu com o carro?
– Sim, eu liguei para o meu marido e ele foi me guiando para dizer aonde eu deveria ir.
– Você sabia que é proibido falar ao telefone em cima de uma bicicleta?
———-
– Você gritou e agrediu o senhor com a sua bolsa?
– Sim, mas so depois que ele me deu um murro nas costas! Gritei por socorro.
– Por que você não saiu do local e ligou para a policia então?
———-
– Por que você queria tanto que o senhor esperasse o seu marido no local?
– Por que eu não falo francês fluentemente.
– Esse foi o único motivo ou você esperava que o seu marido resolvesse o problema de outra forma?
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– Você disse ao senhor que se no país dele é permitido bater em mulher, no seu não é?
– Não, eu disse que eu não sei se aqui no pais dele é permitido bater em mulher, mas que no meu não é.
– Você sabia que isso é racismo e você pode ter problemas?
– Eu não sou racista.
– Mas foi, porque o senhor é de origem árabe.
– Como é que eu vou saber de onde ele vem? Eu quis dizer que se aqui na França os homens batem em mulher, no Brasil, não batem.
– Ainda assim, comentário racista.
———–
– Você sempre chora fácil como agora?
– Não, só quando alguém me agride na rua.

(Depois perguntou para o Léo se eu era muito emotiva ou tinha sofrido algum trauma no Brasil porque choro “à toa”)

Não parece, mas EU fui agredida, EU prestei queixa, EU sou a vítima. Que tal perguntar para o senhor por que ele veio de carro atrás de mim, ou por que ele jogou o carro em cima da minha bicicleta, ou mesmo por que ele desceu do carro e me deu um murro sem que eu falasse nada, na frente da esposa e do filho pequeno???? Mas não, nenhuma dessas perguntas foram feitas ao agressor, que saiu impune dali. Eu saí revoltada.

Revoltada por não ter sido atendida por uma policial mulher, por ouvir que na França não é permitido bater em criança nem em mulher, mas que vejam só, eles batem – “acontece”. Que um simples murro nas costas não caracteriza agressão, que agora é preciso aguardar a decisão do juiz e que provavelmente “não vai dar em nada, no máximo uma multa por você ter jogado a bicicleta publica no chão e falado ao celular enquanto pedalava”.

Ainda perplexa com a situação, me desculpo pelo texto enorme e por compartilhar uma história tão chata com os leitores que passam por aqui em busca de dicas e diversão. Mas tudo na vida tem seu lado ruim, inclusive o primeiro mundo. Acho fundamental que os interessados pela França saibam que aqui não é esse paraíso que eu sonhava ser e que a violência não é “privilégio” dos brasileiros.

Senti muita falta de algo como a Delegacia da Mulher, onde somos atendidas por outras mulheres que mais sensíveis, lidam de forma diferente com essas situações. Por isso, procurei algo semelhante na internet e descobri um lugar aqui perto de casa que oferece esse tipo de ajuda. Semana que vem vou até la e volto para contar o que acontecer. Por agora, deixo dois telefones que podem ser muito úteis para nós mulheres, é bom anotar pois, mesmo que seu marido seja um fofo como o Léo, existe muita gente doida nas ruas. Para quem esta na França, o disque-denúncia é o 3919, no Brasil ligue para o 180 ou procure uma Delegacia da Mulher.
Blogueiros, twitteiros e amigos, conto com vocês para divulgar a história. Tocar nesse assunto é fundamental para refletirmos sobre várias coisas: a violência contra a mulher, até que ponto vale trocar o Brasil pela “segurança” do exterior, como entender melhor as leis dos países em que vivemos, quais os nossos direitos, entre outras. Minha luta esta só começando, não é fácil passar por esse tipo de situação sendo estrangeiro, pior ainda sendo mulher.

Conto com vocês.

A solidariedade é típica do povo brasileiro. Faça a sua parte, eu já fiz a minha!

Fonte:
brasilcomz.wordpress.com

Imagens:
Sxc.hu

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5 thoughts on “Violência contra a mulher brasileira na França”

  • http://Maria%20Marques

    Oi amiga não é só com Brasileiras que isso acontece porque eu à um ano atrás também fui agredida por um ex patrão do meu marido, que me partiu os vidros e entrou me em casa com dois homens, agrediu me e partiu me os óclos, chamei a policia eles identificaram o e deixaram o ficar e como a porta estava partida ele entrou novamente pronto para me bater.Eu saí à rua pedi socorro e veio outra vez a policia e como o meu marido estava para chegar que eu liguei lhe, o policia disse que o meu marido tivesse calma senão ia preso e depois de tudo isto se quero que algo seja feito tenho que ter dinheiro para um advogado.Eu na altura ainda não estava cá à um mês e foi isto que mais me assustou porque no meu país se isto acontece se ae a policia chegasse e o encontrasse dentro da minha casa com tudo partido levavam o logo e não saia de lá sem ser houvido pelo juiz, mas infelismente esta é a justiça Francesa e temos que nos habituar a ela.Boa sorte…

  • http://Muriele%20Mascarenhas

    Nossa! Que horror… é apenas uma coincidencia ou a Mirela e o Léo sao o casal do Blog “13 anos depois”? Eu acompanho o site ha um tempo, enfim… Isso é muito triste, eu nao sabia que aqui é assim. Estou aqui ha um ano e por duas vezes me senti meio constrangida com a investida de dois homens arabes que chegaram a pegar no meu braço. Por sorte, eles nao fizeram nada mais grave, mas confesso que fiquei muito nervosa. Embora o Brasil tenha muitos problemas e os homens muitos machistas nunca em toda a minha vida um homem me tocou, nem na mao, sem que eu autorizasse.
    Esse depoimento serve de alerta. Parabéns pela coragem.

  • Realmente é um absurdo Muriele!
    Por isso denuncio constantemente. Você viu que uma portuguesa (Maria Marques) também reclamou disso? Está no comentário abaixo.
    Quanto ao blog, não sei se são os mesmos.
    Abraços!

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